sábado, 1 de junho de 2019

Escritos de Yara - A QUEEN E O ESTRIPADOR

A QUEEN E O ESTRIPADOR


Yara de Nerea

Curitiba, junho / 2013

Elisa e eu, fomos à Inglaterra no início de junho. Londres, o mais precioso diamante dos tesouros britânicos.

A cidade harmoniza-se entre tradições milenares e o plus ultra do contemporâneo.

Dá gosto ver as velhinhas, muito ladys, com seus encantadores cabelos brancos, lépidas e fagueiras por toda parte. Ensinam que o melhor da idade é assumi- la. Que o melhor da vida é debruçar-se nas coisas que cantam ao coração.

Interessantes aquelas ilhas atlânticas. Na medida em que os dias correm ao encontro do verão, a temperatura despenca. Muito inglês, o vento uivante de Miss Emily Brontë corta-nos em tiras. A soturna garoa dos filmes preto e branco passa a fazer parte do programa. Monumental, vibrante, colorida e limpíssima, a cidade não dá ao viajante, motivos pra mau humor.

A enorme frota de taxis - antes, só negros - roda leve e solta, em amarelo van Gogh, azul caribenho, azulão mediterrâneo, verde floresta, nas cores da bandeira com suas cruzes: vermelho, azul, branco e, pra carcá no charme, em bordô ou lilás como os campos de lavanda.

Os prédios, brancos ou de tijolinho à vista, enfeitam-se com vasos de flores. O inglês que falam, com seus Ôs aveludados, anuncia que habitam na monárquica metrópole. Cheios de boas maneiras chegam a desconcertar os que com elas não estão habituados. Vivem na Capital 8 milhões de almas, contando aquelas que vieram das ex-colônias e as que se pirulitaram dos seus países de origem.

Pela quantidade de mulheres cobertas, inclusive com véu, constata-se que a cidade recebe muçulmanos, de braços abertos. Um grupo delas, vestidas de preto, só com os olhos meio de fora criou certo desconforto. As pessoas próximas se entreolharam. O primeiro movimento que vem à cabeça: caiamos fora!!!! Vai que são mulheres-bomba, assassinas / suicidas???? Vai que são homens terroristas???? Tristes tempos. Ignorância dos 2 lados. Elas submissas às leis absurdas e nós, tentando não nos submeter ao medo e ao maldito preconceito.

A TV apresenta partidas inteiras de golfe, tênis, cricket e o jogo com bola que eles inventaram o idolatrado futebol.

Temperados nos rituais druidas. No encanto das fadas e dos duendes. Na opressão romana - que durou séculos - quando a cidade foi Londinium, com Julio César / 54 a.C.. Nas revoltas constantes, uma delas liderada pela rainha celta Boadicea e suas filhas. Vencidas na batalha foram estupradas pela legião e tiveram suas ruivas cabeças espetadas.


Temperados nas magias das sacerdotisas de Avalon. Nas lendas de Camelot. Nas inúmeras outras invasões. Na tomada do país pelos normandos também ferozes. Nas infindáveis conspirações pelo trono. Nas execuções sumárias obradas na temida Torre e fora dela. Na miséria e na imundice do povo, tratado como lixo. Na devastaçãoprovocada pela “peste negra“ / 1348. Nas vontades de Henrique VIII, que fez sua fama pelas mulheres que teve e pelas 2 mandadas ao carrasco. Na Era de Ouro, com a 1o Elizabeth - 1558/1603. Nas tramas teatrais de Shakespeare. Nas bruxarias produzidas em caldeirões sobre fogueiras, como em “Macbeth“.

Temperados nas labaredas do incêndio que destruiu a cidade, em 1666. No nascimento da nova Londres, mais bem traçada, um pouco mais humana.

Temperados na tentativa de implantação da República por Oliver Cromwell, que no poder deu-se à ditadura. Na restauração da monarquia com a dinastia Stuart. Esses, descendentes da católica Maria, degolada por ordem da rainha virgem que não eravirgem (na ópera de Donizetti “Maria Stuarda“, a da Escócia, sabendo que não escapará do cepo, distrata a anglicana prima Tudor, chamando-a de “filha impura de Bolena”. Eletrizante, darling!!!!).

Temperados na dominação de N povos, dos quais sugaram tudo que quiseram e como quiseram. Nos avanços de toda ordem logrados no imperial reinado de Victoria - 1837/1901. No sangue de prostitutas que Jack, o da navalha fez escorrer pelas vielas escuras e fétidas do subúrbio, sem nunca ter sido descoberto pela polícia. Na convivência com fantasmas, fofinhos ou demoníacos. Nos jardins organizados, por cores. Nas artes de seus criadores amantes da beleza. De seus criadores contundentes, perfurantes, cortantes, cínicos, românticos, hilários, conhecedores da natureza humana. Temperados na busca pelo conhecimento. Nos estudos em colégios e universidades projetadas por sua excelência. Nos pensamentos e ações que deram ao mundo, aos trabalhadores, dias melhores.

Temperados na firme disposição de mulheres, que foram ao confronto aberto pela igualdade de direitos e fizeram suas lutas vitoriosas.

Temperados nos tempos da pré-guerra com a Alemanha, quando o rei Eduardo VIII, por amor, renunciou ao trono. Americana, divorciada 2 vezes, com má reputação, Wallis Simpson não preenchia os requisitos protocolares pra ser rainha. A moça teve que se contentar em ser a duquesa de Windsor, o que não foi pouco. Pode degustar, pro restante de sua existência, mordomias e prazeres bancados pelo povo.

A coroa passou pro irmão do ex - rei, o duque de York. Jorge VI, pai da Queen.

Temperados nos horrores das muitas guerras, em particular, na heroica resistência ao nazismo. Nos discursos e atitudes de Winston Churchill. Palavras e atos que atestaram ao mundo em pedaços, a fibra inglesa.

Temperados nas músicas dos Beatles, que mostraram - uma vez mais - o quanto são pioneiros, o quanto se colocam à frente de outros países.

Temperados nas linguiças fritas e no feijão branco ensopado, saboreados no café da manhã. Nos chás de todo instante. No peixe frito com batatas fritas palito, comidas displicentemente com os dedos. Na cerveja, bebida em copos pra halterofilistas, no gin tônica, no scotch, no vinho. Temperados na lucidez, na firmeza, na extraordinária capacidade de gestão de Margaret Thatcher, que libertou o país da esbórnia – os ingleses não brincam nos seus serviços. São competentes nos bons e nos maus fazeres.

Hoje, enquanto outros países estão se estrebuchando, a Inglaterra equilibra-se. A liberdade reinante permite-lhes tudo, até os limites que o senso comum estabelece. Seus corruptos, seus bandidos, não são agraciados com contemporizações. A imprensa os avacalha como merecem e a Justiça os engaiola como tem que ser.

A saúde, a educação, a cultura, a segurança, o transporte coletivo estão - de verdade - entre as prioridades do governo parlamentarista.

Nesta viagem o que ficou por fazermos deu-se graças à malandragem de alguns que, no Brasil, vendem ingressos pro Teatro. Não conseguimos comprá-los com a devida antecedência porque rolou fraude. Os produtores ingleses acharam por bem não reservar lugares pra brasileiros. Ingressos, só por desistência. De lascar, my love!!!!

O QUE FIZEMOS

MUSEU BRITÂNICO / 1759: concorridíssima a exposição temporária sobreHerculano e Pompeia.
Em pleno verão, agosto de 79 d.C., o Vesúvio fez tremer a terra e expeliu coisas e loisas, numa erupção piroclástica que durou 24 horas. Nuvens tóxicas a 400 graus centígrados assaram 1.150 pessoas só em Pompeia. Levas sem fim de pedra pome cobriram, por completo, as duas cidades. Ficaram soterradas por séculos. Quando vieram à luz estavam intactas.

Das impressionantes peças aponto: afresco que nos fala sobre o casal Terentius Neo. Jovens, altivos, becadíssimos pra ocasião do retrato. Conseguiram fugir a tempo? Estão entre os corpos encontrados nas escavações?
Móveis calcinados, utensílios de vidro, joias belíssimas, pratos com alimentos, nos contam sobre uma sociedade próspera e sofisticada.

Em tamanho natural, escultura em bronze de Lívia a mulher do 1o imperador, Otavio Augusto e mãe do sucessor, o tirano Tibério. Encontrada em Herculano, com seu longo drapeado, seus cabelos arranjados em delicados frisos, a pose de dominaintimida.

Na sala com mosaicos e afrescos dos puteiros, o público se acotovelava pra ver as cenas de sexo entre mulheres. Os risinhos denunciaram que a malta adora, mesmo, uma boa sacanagem.

Destaques da Ala Egípcia: como era do gosto do faraó, gigantesco busto de Ramsés II, 19o dinastia / 1270 a.C.. Pedra de Rosetta, estela com decreto do soberano, no ano de 196 a.C.. A escrita em 3 idiomas, incluindo o grego, permitiu que Champollion decifrasse os hieróglifos, em 1822. O francês deu a conhecer ao mundo aquela soberba civilização. O gato sentado, em bronze, negro luzente, com argolas de ouro nas orelhas e no nariz / 600 a.C.. O bichano dá de 10 a 0 na nossa modernidade. E, of course, as mil e 12 desbundantes múmias, com ou sem sarcófago.

Ala Grega: Péricles / 5o século a.C. encomendou a Fídias frisos que engalanassem o templo / Parthenon, dedicado à filha dileta de Zeus, deusa da sabedoria e patrona da cidade. Da Acrópole de Atenas a Londres foi um pulo, a bordo de céleres navios ingleses, sob o comando de Lord Elgin. Temo que não haja pulo de volta pras magníficas esculturas. Ainda mais agora que o berço da civilização desciviliza-se, com as peripécias de governos corruptos e irresponsáveis.

Alas de Micenas e Creta: estonteantes peças em cerâmica, ouro, mármore. A coleção de peças da cidade atrida, nos faz pensar em Clitmnestra, a rainha, envenenada por seu ódio a Agamenon. O rei, ganancioso, de olho gordíssimo nas riquezas de Troia permitiu o sacrifício da filha Ifigênia.

Afrescos ilustrando jogos de rapazes cretenses, com touros. Tema que nos remete a Teseu, à princesa Ariadne, ao novelo do fio condutor no labirinto, ao Minotauro devorador de meninos e meninas atenienses.

Alas Etrusca e Romana: ferramentas, armas, jarras, copos e vasos de vidro, esculturas em alabastro de imperadores e suas poderosas mulheres. Profusão de joias em desenhos magistrais.

A TORRE DE LONDRES: construída em 1066 por Guilherme, o Conquistador. Quando transformada em prisão, converteu-se em tenebroso pesadelo aos que caiam em desgraça. Os condenados chegavam de barco pelo Tâmisa. Entravam, pra sempre, pelo Portão dos Traidores. Muitos inocentes sofreram a agonia de antever a cela, o cepo, o carrasco e seu machado afiado.

Hoje, distantes daqueles tempos, nem os corvos que residem no recinto e voam livres de um lado a outro são sinistros. Grupos de atores, com figurinos de época, estatelam o turista interpretando os que mandavam matar e os pré-mortos. Muito inglês,sweetheart!!!!

A Guarda da Torre, os Beefeaters, impecavelmente uniformizados. Gentis e sorridentes prestam-se a posar pra fotografias.

Num dos edifícios, bem dentro das muralhas, pousa o tesouro da Queen. De um tudo!!!! Só as coroas com seus diamantes e outras miles pedras preciosas, estimulam os mortais a perguntarem: que que é isso, gaiteiro de fole!!!! As vitrines explodem embeleza. O cetro ostenta o Cullinan I, diamante com 530.2 quilates/ “A Estrela daÁfrica“. Oceano de luzes foi lapidado pro rei Jorge V / 1910, vovô de Elizabeth.

O manto da coroação, bordado a ouro, nos faz pensar na túnica do rei Salomão exibindo-se pra Belkis, a rainha de Sabá. Nos banquetes usam uma poncheira esplendidamente trabalhada, nos seus 248k de ouro.

Se a Queen e o 1o - ministro David Cameron resolvessem doar o que a Torre guarda, não haveria fome no planeta por um bom tempo. Como nem o Vaticano é besta de distribuir seus tesouros, Lilibeth – Tonico conta que os íntimos assim a chamam - também não dará a ninguém, o que pertence ao Reino Unido. Sábia decisão, principalmente, em se tratando de ditadores africanos que enfurnam fortunas em paraísos fiscais, assistindo de camarote, há anos, seus governados morrerem à mingua.

PASSEIO DE BARCO PELO TÂMISA: enquanto o Danúbio, o Elba, o Ebro subiam e devastavam geral, o rio inglês seguia seu curso sem lances dramáticos. Às margens, a Londres apoteótica, com o Parlamento, o Big Ben luzindo / 1859, as cúpulas das igrejas, as pontes, um sem número de monumentos de extrema beleza.

A RODA GIGANTE / LONDON EYE: muito bem posta ao lado do rio, ergue-se a 135 metros de altura. Trinta e duas cápsulas transparentes do piso ao teto deixam apreciar 40 km do serpentear do rio e entorno, em 30 minutos de lentíssimo giro. Elisa embarcou, encantada, na fantástica estrutura. Minha centenária acrofobia, não me autorizou a usufruir do panorama visto da roda. Enquanto aguardava, pra compensar, o Relógio brindou-me com 12 badaladas eloquentes.

ALMOÇO NA FORTNUM & MASON / 1707: loja especializada em coisas pra casa. A secção de comes e bebes, uma tentação tal qual a maçã do Éden. O salão de chá e o restaurante servem ao Olimpo.

JANTAR NO HIBISCUS: comandado pelo chef Claude Bosi, ostenta 2 estrelas no Guia Michelin. Em 3 horas de delícias comemorei meus 73 anos. Perfeito!!!! Não sei se haverá aniversário no ano que vem.

GALERIA NACIONAL: pela Trafalgar Square, com seus gigantescos leões, suas fontes e a impoluta Coluna de Nelson, adentra-se no templo onde cada obra é um altar. Emocionei-me com “A Cadeira“ de Vincent van Gogh. Vazia no quarto vazio chora a solidão do pintor. Sua ânsia por afeto. A cadeira amarela espera seu irmão Theo, o amigo Gauguin também pintor, uma mulher que o atormentado holandês pudesse chamar de sua?

Paul Delaroche registrou episódio histórico dos mais chocantes “A Execução da Lady Jane Grey“. Aos 17 anos, usada por conspiradores foi rainha por 9 dias / 1553. Depois dela, recebeu a coroa Mary Tudor, filha de Henrique VIII e da espanhola Catarina de Aragão, repudiada porque o rei mulherengo caiu de paixão por Ana Bolena. Católica, Maria sangrou sem compaixão a Inglaterra protestante. As cabeças que rolaram inspiraram aos gozadores ingleses, o drink Bloody Mary. A bebidinha Maria Sanguinária - vodka, suco de tomate, gelo, molho picante e gotas de limão. Adorna o copo, rodela do mesmo - é uma das preferidas. Os ingleses, como ilustra Agatha Christie são doidos por saber sobre e por desvendar assassinatos. Excitante exercício, my dear!!!!

MUSEU DE CERA MADAME TUSSAUDS / 1835: mais de 300 figuras históricas e de celebridades. Na entrada, o povaréu desagua no red carpet. Uma massa de paparazzicega a malta com seus flashes. Todos abrem seu melhor sorriso. A exposição, de 1o qualidade. Derradeira atração: câmara dos horrores. Os malditos e seus feitos macabros estão naquele corredor, interpretados por convincentes atores. Breu total. Avança-se porque atrás vem gente. A gritaria é ensurdecedora. Os quadros vivos são tão horripilantes, que temos certeza de sentir sangue esguichando de todos os lados. Aquele medaço gostoso quando, no final, o terror é Teatro.

FEIRA DE ARTES VISUAIS DA BAYSWATER ROAD: nos domingos, artistas das ilhas mostram seus trabalhos. Quadras de talento. Elisa comprou um campo de lavanda - puro sonho - da simpática irlandesa Maria O’Neill. Eu, pra essa menina Gisele que faz aniversário, com um casal enamorado que passeia na praia. Jan Wenczka, nos faz desejar estar naquele cenário, onde a lua branca paira no fim das águas.

ALMOÇO NO THE SWAN / 1721: famoso por força de escândalo político ocorrido outrora, esse pub concentra quase que exclusivamente os naturais da terra. Fatias de suculento roast beef incrementadas com molho bronze, batatas, cenoura e ervilhas. Como a vida é bela e ainda podemos: pudim de chocolate com creme. O bicho, sisters and brothers!!!!

A partir das 17 horas, a inglesada vai pros pubs. Não tem importância se não há mais lugares dentro. Nos dias de pré-verão, a turma reúne-se nas calçadas, em pé. Papos animadíssimos, debates acalorados e gargalhadas, discretas, of course!!!!

HYDE PARK / 1536: na cidade dos parques, esse é máximo. O 8o Henrique o elegeu como seu local favorito às caçadas. Vejo o rei et caterva à cavalo, com dezenas de cachorros perseguindo os belos animais da floresta. O príncipe consorte e primo daQueen, Philip / duque de Edimburgo dizem, deleita-se com a caça ao faisão.

Os ingleses amam cachorros, cavalos, gatos e cisnes. No parque encontra-se gentes às pencas com seus amores. Fazendo pic-nic na grama bem cuidada, cavalgando com muita elegância e, à beira do lago, assistindo as aves brancas e negras dançando suavemente.

ABADIA DE WESTMINSTER: construída no ano 960 foi mosteiro beneditino até 1540, quando o rei das 6 mulheres rompeu com a Igreja de Roma.
O 1o rei a ser coroado na Abadia foi Guilherme, o Conquistador / 1066. Estupenda, coalhada de obras artísticas é cemitério e memorial às rainhas, reis e personalidades históricas. Desde 1308, a unção do/a monarca é procedida com a criatura sentada na Cadeira da Coroação. De madeira, imponente, se faz acompanhar - embaixo do assento - pela Pedra de Scone. Dizem que se trata de pedaço de meteorito. A pedra caída das alturas, impregnada de mistérios siderais confirma o poder àquele que ocupa o trono.

E II R, ou seja, Elizabeth 2o Regina foi coroada - 1o transmissão de TV, em tais eventos - em 1953. Sua alteza real tinha 25 anos de idade.

Na Abadia, Diana foi velada. Idem, a rainha-mãe. Saindo do mórbido, William e Kate, os duques de Cambridge, uniram seus corações diante do altar de ouro filigranado.

No jardim, entre a grama verde em 2 tons, repousam margaridinhas brancas.

CHÁ DAS 5 NO SAVOY: recomendação de minha amiga Sílvia, que conhece as coisas ótimas.
Primeiro hotel de luxo do Reino Unido - hospedou estrelas e astros, cujos retratos pintados luzem no salão - ainda conserva seu aplomb. O que se vê nos filmes é mixaria diante do ritual e do que é servido. Garçons de casaca, no maior garbo. Destacava-se, no coreto, uma jovem pianista. De seu repertório, a Dança da Fada Açucarada / Suite Quebra-Nozes, de Tchaikovsky. Habanera de Bizet. Músicas de Cole Porter. Em longo preto decotado levava nos cabelos ruivos, arranjo floral que até Deus duvida. Pra lá de chique, darling!!!!

REVISTA THE ECONOMIST: 08 a 14 de junho. Capa: “a economia do Brasil é medíocre“. Matéria: “stuck in the mud - está atolado na lama“. Atenção: a merda flota. A mentira tem perna curta. Não há discurso que encubra os fatos. Benzam-nos os deuses, acordamos!!!! O povo está nas ruas!!!! O legítimo repúdio aos partidos e aos políticos sustenta o brado: corruptos, enganadores, calhordas parem de foder o país!!!! Pior que o condenável vandalismo de alguns manifestantes é o vandalismo que muitos estão praticando nos cofres públicos.

O chega pra lá derradeiro - espero - deverá ser dado em outubro de 2014.

CATEDRAL DE SÃO PAULO / 1400: mais uma obra arquitetônica de loucura. O domo, o 2o do mundo, tem 84 m de altura. Afrescado, o teto brilha qual galáxias. Os vitrais, como nas outras igrejas, comprovam o extremo talento daqueles artistas.

Na cripta, impondo respeito pelas dimensões egípcias, os túmulos dos grandes heróis nacionais: do visconde Horácio Nelson, que freou Napoleão na épica Batalha de Trafalgar. De Arthur, duque de Wellington, quando em Waterloo / 1815 pôs termo às pretensões do general corso/francês, que já se tinha como imperador do mundo.

MUSEU DE LONDRES: a vida da cidade, desde 450 mil anos atrás até hoje. Acervo espetacular sobre o passado de tragédias e de triunfos. Acontecimentos que não são relegados ao esquecimento. Lições ensinadas, aprendidas e colocadas em prática. Por isso mesmo, a Inglaterra é o que é e tem o que tem.

CASTELO DE WARWICK e STRATFORD – UPON – AVON: duas horas de viagem, passando por terras cultivadas, bosques, mansões rurais descritas por Jane Austen, pastos com ovelhas, cavalos. Campos de flores amarelas, cujas sementes fazem óleo combustível.

George Guy de Greville, conde de Warwick, construiu sua casa/fortaleza nos anos 1000. Típico exemplo das edificações da Idade Média, com fosso e ponte elevadiça. As dependências e o acervo artístico, um desbunde.
A família Merlin, hoje dona também do Museu de Cera, incrementou as atrações com performances relativas a situações de cerco ao castelo. Arqueiros, lanceiros, catapultas, mulherio acompanhando os soldados com comidinhas, bebidinhas e namoricos.

Entrando na encenação vi Elisa e eu correndo pelas torres, aos gritos. Com o corpo desprotegido - as espetaculares armaduras e elmos foram confeccionados pra homens de 2 metros de altura - senti, em desespero, que estávamos no bico do corvo. Que, sem mais delongas, entraríamos em óbito na England medieval. Senti o impacto das pedras, absolutamente redondas, acompanhadas por 412 flechas incendiárias. Cáspite!!!!

Concluído o delírio, partimos pra cidade de seu Shakespeare. Pequena, acolhedora. As gentes, educadas, simpáticas, sorridentes. No centro, casas ao estilo Tudor: pedras brancas cruzadas com madeira preta.
O gênio nasceu em família abastada. Moravam numa encantadora mansão, com espaço pra árvores e soberbo jardim.

Comentei com Elisa que se tivesse muitas libras esterlinas, compraria uma casa como a da mulher do Bardo, Anne Hathaway. Telhado de palha, pedra pintada de branco, horta, jardim onde predominariam amor-perfeito e grandes tulipas alaranjadas. Desisti do sonho, o frio exagera e no inverno neva pra mais de metro.

Na Holy Trinity Church está a bia batismal que cristianizou o menino William / 1564. Também, sua sepultura ao lado da mulher / 1616. Amigos mandaram fazer seu busto. Belo homem!!!! Muito inglês o campo santo em volta da igrejinha. Pelo terreno estão conservadas lápides de mortinhos, entre 1592 e 1629.

Nas praças, atores vestidos à moda, encenam textos do maior dramaturgo entre os gigantes.

No retorno à city, Victor, nosso motorista - guia, contou-nos que quem levou o chá pra Inglaterra foi Catarina de Bragança, filha do rei português João IV. Navegantes lusos, no comércio com a Índia, traziam a erva pra família real e seus agregados. A princesa casou com Charles II quando, com a República mergulhada no pântano, os Stuart que estavam refugiados na França, voltaram a usar a coroa.

WALLACE COLLECTION: cinco gerações dos marqueses de Hertford compuseram estupendo acervo artístico. Lady Wallace, a última proprietária, doou a mansão ao Estado em 1897, com tudo que tinha dentro. A casa em si, dos deuses. Piso de madeira desenhada, lustres de cristal, lareiras, móveis, espelhos com molduras trabalhadas, porcelanas, paredes recobertas de seda em desenhos e cores, de se beijar as mãos dos criadores.

Jardim interno com salão de chá, onde passarinhos cantam.
Entre os quadros, sobressaem Venezas de Canaletto. Retratos de Thomas Gainsborough. No registro das tragédias históricas, Camille Roqueplan pintou os pequenos príncipes York, trancafiados na Torre de Londres a mando do tio. Executados os meninos, o caminho ficou fácil à ascensão de Ricardo III. Pela extrema perversidade do rei, sua própria mãe o chamou de aborto da natureza, como escreveu Shakespeare.

As crianças atônitas, apoiando-se uma na outra, nos cobrem de ira bíblica contra o canalha disforme.

Inúmeras pinturas com paisagens deslumbrantes, com cenas do cotidiano que nos deliciam e nos ensinam sobre a vida inglesa daqueles tempos.

Espetáculo dos Espetáculos!!!! Em todos os museus, professoras levam seus alunos explicando-lhes as obras e, sendo o caso, seu sentido histórico.
Outro detalhe que faz a diferença: igrejas seculares em ruinas não são demolidas. Arquitetos projetam prédios modernos aproveitando a estrutura do que é patrimônio cultural. A junção do antigo e do novo resulta em adorável harmonia.

MUSEU DE VICTORIA E ALBERTO: peças riquíssimas do mundo e de várias épocas. Desta vez, detivemo-nos nas salas da China, Japão, Irã / Pérsia e Roma. Entre o tudo embasbacante, trajes cerimoniais, quimonos, tapetes, uniformes e espadas samurais. Chama atenção, uma burca branca de tecido finíssimo e sofisticado bordado. A bombacha, com flores delicadamente coloridas. A mulher que a vestiu não podia ser vista, mas era-lhe permitido ostentar seu status.
Cai diante da escultura “O Rapto de Proserpina“, ou seja, o deus Hades rapta Perséfone e a leva pro seu reino subterrâneo. A donzela, filha de Deméter, senhora da terra cultivada, que até aquele momento passava seus dias colhendo flores, raptada, torna-se a rainha dos infernos. Obra magistral de Vicenzo de Rossi / 1565. O artista fez vida no mármore. Nos imortais, as emoções humanas daquele fatídico e, ao mesmo tempo, glorioso momento.

Admiramos, ainda, relevos em porcelana com temas sacros.
Como os ingleses valorizam seus artistas, rolava exposição sobre o músico e ator David Bowie.

COVENT GARDEN: na Piazza, a festa londrina. Restaurantes, bares, o mercado, lotados. O planeta girando no bairro da Royal Opera House.
Ao ar livre, quarteto de jovens, violinos e cello, tocava “O Verão“ das “Quatro Estações“, de Vivaldi.

TATE GALLERY: mais um oceano de tesouros. Shakespeare e seus personagens. Deles, talvez o mais comovente de todos porque está velho e, tendo perdido a perspicácia, se deixa enganar: “O Rei Lear Chora a Morte de sua Filha Cordélia“. Pintado em 1786, por James Barry. As cores da dor lançam as imagens, direto no coração de quem sente o quadro.

Turner dá sua versão sobre a derrocada de Bonaparte, “O Campo de Waterloo“. “Senhora Siddons“, bela atriz morena, especialista em Lady Macbeth está imortalizada pelos pincéis de Thomas Lawrence.
Da realeza, retrato de Elizabeth I / 1575, com sua peruca ruiva, seu vestido de gola engomada / frisada e sua coleção de pérolas - Nicholas Hilliard. Olhar de leoa, o mesmo que lançou à corte, numa noite de festa, quando disse em alto e claro som:“aqui há uma única senhora e nenhum senhor“. Muito bitch, muito brilhante!!!!

Imagem de seu pai quando menino. A mesma pose poderosa, Henrique VIII repetiu no ano de sua morte - Joshua Reynolds.

A QUEEN DESFILA: com sol, adredemente encomendado pelo comitê de produção, multidão efusiva foi celebrar os 87 anos de idade e os 60 de coroação de her majesty. A parada durou 2 horas. Hiper banho de elegância e organização. Com uniformes soberbos, a guarda evoluiu em coreografias milimétricas. As botinas, os capacetes e as armas rivalizavam em brilho com o astro rei.

Como a soberana, a família real passou em carruagens. Estando o marido hospitalizado, Elizabeth se fez acompanhar pelo duque de Kent. Tão ou mais idoso que a prima, tão inteiraço quanto ela, apresentou-se num uniforme vermelho de cinema. Bandas, inclusive montada, engalanaram o evento. Muito lady, a princesa Anne , 2o entre os 4 filhos Windsor, uniformizada arrasou montada à cavalo. Mammy, em outros tempos, passava sentada na cela.

Apontamento especial pros cavalos - formidáveis: também mostraram que estão preparados pro que der e vier.

O espetáculo falou de afeto e respeito. Os ingleses amam a Queen. Durante a 2o Guerra, a jovem princesa já herdeira da coroa, assim como seus pais, deu duro. Dirigia ambulâncias e trabalhou como mecânica em veículos automotores. As bombas de Hitler caindo sobre a cidade devastada e a família real nas ruas, junto ao povo. A Inglaterra não esquece.

A cortina fechou com a Queen, em seu vestido azul Pompadour, seu inseparável chapéu e suas imaculadas luvas brancas, ao lado dos filhos, netos, primos, na famosa sacada do Palácio de Buckingham, sorrindo e acenando daquele jeito só deles, pro povaréu enlouquecido.

Elisa marcou presença no desfile. Limitada em meus quereres, não pude levar meu abraço à Lilibeth.

Fiquei aborrecida por 5 minutos. Desfeito o bico pedi um gin tônica, acendi um cigarricho e assisti tudinho pela TV.

BBC 2 e BBC 4: a TV oficial, muito inglesa, derrama programação de altíssima qualidade. Ensina, especialmente, sobre História. Informa, sem se preocupar com a opinião do governo e do Palácio. Diverte com classe. Celebra o passado e o presente em grande estilo. Resumindo a ópera: encanta.

Londres, a no 1. Igual, só no universo paralelo que alguns dizem existir.

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