sábado, 1 de junho de 2019

Escritos de Yara - EL DORADO – No 2 / CARTAGENA DAS ÍNDIAS


EL DORADO – No 2 / CARTAGENA DAS ÍNDIAS

Yara de Nerea Cartagena, setembro/2013

Do alto dos Andes ao Caribe, 1 hora pelos domínios do condor.
Saímos de Bogotá com 15 graus e céu encoberto. No litoral, 32 graus. O bafo do dragão alado embaça as lentes. Quando a temperatura sobe pra 38o, o deus sol dos pré-hispânicos zenús faz com que o suor seja imediato, caudaloso e grudento.

A cidade, apaixonante, tem várias faces. Veste-se com elegância. Árvores seculares. Palmeiras e coqueiros que dão coco. Flores. Por toda a orla - Bocagrande - prédios altos, brancos, com janelas verdes ou azuis. Belo efeito!!!!

O balneário não é pra quem tem peninha de gastar dinheiro.

Praias e mais praias divididas por rústicas pontes de pedra. Há passagem pros andarilhos. Barraquinhas coloridas com cadeiras são alugadas.

A areia, cinza e dura. A água, limpa, acompanha o tom. Quer areia branca, fofa e águas turquesas???? Faça um passeio às ilhas. Em 45 minutos você chega às mais famosas: do Rosário e Playa Blanca.

Da minha varanda pra fumante aprecio as piscinas do hotel, a praia particular, as da esquerda e as da direita. A baia, com enorme trânsito de navios. Pra lá da baia, terras verdes e praias. Nas águas calmas, livres de tubarões, as gentes esbaldam-se nos esportes náuticos. As marés avançam e recuam mansamente, brincando com uma espuminha rala. Os ventos também são delicados.

Formidável o voo do alcatraz com seu bico longo e fino, com suas penas que combinam com a areia. Na busca do almoço, mergulham com precisão cirúrgica. No final da tarde, quando os pescadores voltam, os pássaros boiam ao lado dos barcos. Esperam as redes. Sabem que serão presenteados. As garças, pacientes, aguardam sua parte na areia ou na copa das árvores.

À noite, uma estrelinha aqui, ali e outra acolá. A lua cheia dá seu show sobre a baia. Vejo-a diferentemente de Garcia Lorca e recito: la luna tiene dientes de marfil. Que joven, que hermosa, que contenta assoma.

No silêncio ouve-se a suave música do mar. Um tufo de nuvens relampejantes, sem ribombeios apresenta-se, noite após noite, no mesmo lugar.

Marta, a camareira trabalha usando na cabeça uma antena que pisca coloridamente. Demais!!!!



Com alegria, Cartagena das Índias fervilha dentro e fora da muralha. O jogo está liberado. Festas de arromba são promovidas pros milionários e celebridades. Gentes jovens e bonitas não faltam. Sodoma, sem risco de terremotos, tsunamis, furacões e erupções com enxofre.

Com quase 1 milhão de habitantes, a cidade não é só pecados. Atividades culturais e artísticas proliferam. Sedia vários festivais. O mais tchan é o Internacional de Cinema.

Nada é linear no “corralito de piedra“. Salsas e cumbias sacodem os corpos. A devoção à padroeira, Nossa Senhora da Candelária, sacode os espíritos.

As criaturas do mar fazem a excelência de sua cozinha, muito temperada. Nos pratos tem arroz, vários tipos de batata, coco, banana/plátano, abacate. Os doces e sorvetes, dos deuses. Pra beber: sucos de todas, cervejas gloriosas destacando a Club Colômbia e piña colada com rum ouro.

O visitante logo se sente em casa, tantas as atenções que recebe. Gentilíssimos, sorriem com os olhos. Quando a gente diz gracias respondem: con gusto, con placer, con cariño. Danados de sedutores!!!!

As mulheres: no geral, pele morena, olhos e cabelos negros, compridos como a capa esvoaçante de Joaquim. Carnudas, com soberbas bundas africanas, bem como as retrata Fernando Botero. Muito caribenhas, vestem-se de branco ou com as mais variadas cores. Algumas, como a bandeira: amarelo do ouro, azul do Pacífico e do Atlântico e vermelho, do sangue dos patriotas.

OS ACONTECIMENTOS. OS LUGARES

Enlouquecidos pela abundância de ouro, prata e esmeraldas, os espanhóis decidiram construir um porto onde pudessem abastecer seus barcos, armazenar os tesouros saqueados ao sul das novas terras e despachá-los com maior rapidez à Coroa.

Foi a hora e a vez de Pedro de Heredia. Fundou a cidade em 1533.
Pra melhor proteger suas riquezas, o rei Felipe II ordenou a construção da muralha em 1600.

Absolutamente esplêndida, com suas guaritas, seteiras e canhões. São 11 km. . Foi concluída em 1798. Está inteiríssima. Ponto obrigatório de visita fica congestionada ao pôr do sol.

A Torre do Relógio foi erguida na porta principal.

A cidade colonial dentro da muralha, preservada e constantemente restaurada, nos faz deslizar àqueles tempos. Nas ruas estreitas, calçadas com pedras, as casas ostentam balcões floridos e portas estupendas. Quanto mais importante e mais rico o dono, maiores e mais trabalhadas eram. O tamanho e as esculturas das aldravas sinalizavam o poder do proprietário.

Como era de praxe, os invasores se faziam acompanhar por homens da Igreja. Em 1603 os jesuítas construíram seu monastério, com colégio pros meninos. A edificação -Santuário de São Pedro Claver - desbundante. O que mais impressiona é o átrio, a cisterna onde a água da chuva era recolhida e as varandas. Numa das salas do convento, exposição de arte sacra.

Pedro seguia de verdade os ensinamentos de Jesus. Protegia os escravos que chegavam da África. Cuidava dos doentes e ensinava-os pra que fossem tradutores ou pudessem trabalhar nos serviços domésticos, nos quais a brutalidade dos seus donos era menor.

Pedro morreu aos 74 anos. Por ser como era foi beatificado pelo papa Leão XIII, em 1888. Seus restos mortais estão no altar - em mármore de Carrara - da igreja anexa ao convento. Na nave, bem no alto, os camarotes dos ricos que nem na missa se misturavam com o povão.

Interessante essa parte da carolice: muita igreja/templo, muito padre / pastor, muita missa/ culto, muita reza / orações, mas a mesquinharia e as calhordices continuam na ordem da manhã, da tarde e da noite - firmes e fortes.

Nas redondezas, 2 praças bem espanholas. A da Alfândega e a que leva o nome de Pedro.

Nessa, a escultura do jesuíta com um escravo e várias outras em sucata de ferro - Edgardo Carmona - ilustrando cenas do cotidiano.

Plaza dos Coches: onde eram vendidos os escravos. Marcados com ferro em brasa, o cheiro de carne queimada era sentido à distância.

A escravidão foi abolida em 1852. No mesmo processo do Brasil, a maioria dos negros ficou à deriva.

Nessa praça, colocaram a estátua do fundador. Como todas, apoteótica!!!! Ficam ali, esperando a turistada, os condutores de carruagens pra uma gostosa volta pela cidade.

Faz grande sucesso o passeio pelas ruas iluminadas.

Catedral de Santa Catarina de Alexandria / 1575: com 20 colunas gigantescas exibe, em relevo, as 14 estações da via crucis. No altar, madeira e folhas de ouro. A peça máxima é o imenso púlpito esculpido em mármore. Dizem que estava destinado à Catedral de Lima/Peru. O arcebispo, maravilhado, virou do avesso e conseguiu mantê-lo em Cartagena.

Como sabemos, a disputa entre ingleses e franceses pelo ouro do Novo Mundo foi homérica.

O famoso corsário Francis Drake, aproveitando uma vacilada dos espanhóis entrou no porto, como rolo-compressor. Exigindo resgate prendeu na Catedral mulheres e crianças. Bombardeou uma das portas laterais causando mega estrago. Protestante, não se achou obrigado a respeitar o templo católico. Com os pés feito leques voltou pra Inglaterra, com seus navios abarrotados de coisas e loisas. A rainha Elizabeth I deve ter beijado o bandido, na boca.

Igreja de Santo Domingo / 1540: o ápice da visita é a imagem do Santo Cristo da Inspiração. Tão perfeita que - acham - foi esculpida por um anjo.

Museu do Ouro Zenú: criações dos naturais da terra, de tirar o fôlego.

Palácio da Inquisição: o Tribunal do Santo Ofício foi instalado em 1610. Contam que antes dos dominicanos chegaram os franciscanos, pra barbarizar as gentes. O prédio é de 1779. Um luxo!!!! Na Câmara dos Tormentos, os mais horripilantes instrumentos.

Qualquer pessoa poderia ser acusada de heresia. Como, sob tortura, confessa-se o que queiram que seja confessado, muitos perderam a vida e suas famílias tudo que possuíam.

Grandes fortunas foram feitas com a famigerada Inquisição.

Os “índios“ já subjugados e os escravos estavam livres da perseguição, porque não tinham alma. Ou seja, não tinham bens que pudessem ser saqueados.

Sala do Peso das Bruxas: com a cabeça pesada pelas crueldades praticadas, a espanholada carola tinha pavor de invocações que pudessem trazer Belzebu em pessoa, às suas vidas. Mandavam colocar cones no teto das casas, como um para-raios contra as artimanhas do demo. Os inquisidores tinham a função de pesar as mulheres suspeitas de feitiçaria. Com mais de 50 quilos, com certeza eram bruxas. A gordura denunciava que estavam impregnadas pelo das Trevas. Com menos de 50, também eram bruxas. O pouco peso permitia que voassem pra descarregar malefícios, por toda parte. Ay que joderse,cariño!!!!

Acabaram com a canalhice em 1811. Dizem que no mesmo dia o povo invadiu o prédio, destruiu os aparelhos e baixou o maior cacete nos inquisidores. Merecidamente!!!!

Las Bóvedas / 1798: foi quartel, cofre pros tesouros, prisão. Hoje, abriga miles lojas com o extraordinário artesanato colombiano. A variedade e a beleza das peças aturdem. O câmbio: pra comprar 10 dólares precisamos de 18.730 pesos.

Andando pela cidade amuralhada, depara-se com barraquinhas, carrinhos, tabuleiros. Os ambulantes, aos gritos, vendem de um tudo. Negras lindas, vestidas com seus trajes ancestrais, vindas da aldeia Palenque - onde os escravos fugitivos se refugiaram e resistiram, com sucesso, as perseguições – as quilombas vendem frutas. As conhecidas e outras que não tinha visto, em dias da minha vida.

As senhoras reforçam a grana do dia, pousando pra fotos. A turistada faz fila.

Getsemani: bairro dos trabalhadores. Na época da Colônia era o reduto dos pobres, dos árabes e judeus que se dedicavam ao comércio.

Na Praça da Trindade construíram a igreja / 1600. O líder da independência de Cartagena - chamada a heroica. Foi a 1o cidade a rebelar-se contra a Espanha / 1811 - Pedro Romero está homenageado numa bela escultura de bronze. Na praça as crianças brincam, os jovens namoram, os adultos conversam e os velhos assistem ao simpático espetáculo.

Zanzando pelas ruas estreitíssimas lembrei-me de Antonina nos ótimos tempos. Ao entardecer, as pessoas tomam a fresca sentadas na calçada, em frente de suas casas. As portas e janelas ficam abertas. Um grupo hiper animado jogava dominó. Salsas, em alto volume, embalam o vai e vem das gentes.

Convento Santa Cruz da Popa / 1606: padres da Ordem de Santo Agostinho subiram 150m., pra construir sua casa. A vista é estonteante. No átrio imperam hibiscos brancos e amarelos. O altar da capela, madeira e ouro, dedicado à Senhora da Candelária. De ouro maciço esculpido, o andor das procissões. Uma vitrine expõe riquíssimas vestes que cobrem a imagem. Maria não está obrigada a usar sempre a mesma roupa.

Forte São Felipe de Barajas / 1656: no morro, com vista pro mar aberto, ergueram a maior fortaleza das Américas. Com seus poderosos canhões, tentavam impedir a chegança de piratas e corsários.

A TV: mesmíssima programação embotadora, nossa conhecida.

Canta ao coração a campanha da Fundação Para Uma Vida Melhor. Sentindo na carne as trágicas consequências de viver num país fodido pela corrupção descarada, pelo terrorismo e pelo narcotráfico, os colombianos com estorinhas dramatizadas, incentivam-se à honestidade, à solidariedade, à generosidade. Pedem que a safadeza comprovada seja denunciada. Os malandros são recolhidos às grades.

Nesse caminho vão se recuperando da imagem de delinquentes. A Colômbia se apruma e faz uso positivo, de seus muitos e ricos recursos. Com isso, o mundo visita o país, levando dinheiro, oportunizando empregos, trabalho e renda. Os habitantes não precisam mais querer sair de sua terra, porque viver nela é o 7o inferno.

Hoje exportam petróleo, café, frutas, flores, ouro, prata, esmeraldas, carvão, moda e etc.. Pra vizinha Venezuela, energia e alimentos, o que mata a fome dos bolivarianos tutelados pelo podre de Maduro.

As Notícias: a mãe natureza bate aqui, ali e acolá, implacavelmente.

Os predadores que estão no topo da cadeia alimentar, cada vez mais famintos prosseguem saltando no pescoço de suas vítimas. É chocante ver a encenação de umas e outros, interpretando preocupação com o povo. Enquanto discursam, viajam, conversam, tomam cafezinho, a canalha ditatorial engana, oprime e extermina quem atrapalha ou contraria seus interesses.

Nós, os babacas, continuamos a comer merda acreditando que é pudim de leite.

O Brasil: muito bem disse seu Dante Alighieri: o impacto dos malfeitos diários impele os da terra a abandonar todas as esperanças. Se quisermos sobreviver aprendamos - com urgência - as lições da Colômbia.

OS MONUMENTOS
Pégasos: ao lado do Centro de Convenções, 2 dos mitológicos cavalos alados. Héctor

Lombana os esculpiu em bronze / 1992, com maestria.

Sapatos Velhos: o poeta compara o amor por sua cidade, ao carinho que temos por nossos sapatos usados. Num das muitas praças encantadoras, Lombana expõe sua


homenagem a Luis Carlos López. A escultura em bronze emociona pelo trabalho e pelo seu significado.

A Pacificadora: filha de cacique foi raptada e levada pra Santo Domingo. Vendida como escrava a uma família espanhola recebeu esmerada educação. Pedro de Heredia apaixonou-se por Catalina e a trouxe de volta à Cartagena. Tornou-se tradutora e ocupou-se de intermediar questões entre os naturais da terra e os invasores. Eladio Gil Zambrana em 1974 fez sua imagem. Essa escultura é a estatueta oferecida aos ganhadores do Festival Internacional de Cinema.

Enquanto seu lobo não vem façamos mimos a nós mesmos e aos que amamos. Conhecer Cartagena das Índias, Bogotá e outras tantas maravilhas colombianas é um presentaço.

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