sábado, 1 de junho de 2019

Escritos de Yara - EL DORADO - No 1


EL DORADO - No 1


Yara de Nerea

Cartagena, setembro/2013


Almoçávamos. Deu-se um estalo quase imperceptível. Da janela do apartamento de baixo subia uma fumaça branca. Ficou negra num instante. O susto subverteu as funções digestivas. O 1o movimento foi avisar a portaria que o 13o andar estava queimando.

Lembramos que no apartamento em chamas mora a vizinha acamada. Vamos ajudá- los ???? Já devem ter saído!!!!

A fumaça tomava nosso andar, ferindo os olhos e dificultando a respiração. A verdade é que na visão da dor, na visão da morte, no pânico, a prioridade absoluta é nosso próprio rabo.

Sôely, como uma flecha, fechou as janelas e informou aos do apartamento ao lado sobre o fogaréu. Sem mais isso, sem mais aquilo tratamos de descer.

Na rua, a plateia estava formada. Procurei pela vizinha. Não estavam ali.

Através da nuvem negra cada vez mais encorpada, labaredas alaranjadas espalhavam- se pelo espaço aberto.

Como nas tragédias gregas, moradoras em coro vertiam lágrimas. Aos gritos e sussurros se lamentavam. Sôely rasgava as vestes e me empurrava pra esquina. Com nossa pele salva, diante do fato consumado entrei em estado de distanciamento. Não pude deixar de considerar a beleza que existe numa grande fogueira.
Os bombeiros chegaram. Alívio geral.
Assistindo o fogo crescer na direção do meu quarto, pensei na finitude de todas as coisas. Que, em segundos, a roda gira sem prévia comunicação. Que as circunstâncias agem independentemente da nossa vontade. Que, a qualquer momento, como Blanche DuBois, podemos precisar da bondade de estranhos.
A bola cheia do ter alguma coisa e do pensar ser alguma coisa, murcha.
Que será, será!!!! Resta esperar pelo final do ato. Abracei Sôely e me retirei do local do sinistro. Às 15 horas voava com destino à Colômbia.

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