sábado, 26 de maio de 2012

C H U V A

Yara Sarmento

maio / 2012

Pra Rogéria.

Em memória de Glauco Flores de Sá Brito.

Curitiba. Dia outonal. A tarde caminha pro crepúsculo. No computador revejo a ópera Turandot, de Puccini.

Meu amigo Tonico me mandou lá de Connecticut - entre outras delícias deliciosas - esta soberba montagem do MET / NY.

Zeffirelli dirige. Na regência da orquestra, James Levine. Plácido Domingo faz Calaf. No papel título, Eva Marton.

Lembro que tomei conhecimento, pela primeira vez, do nome Turandot - triste ignorância - nos anos 70. Meu amado amigo Feliciano tinha um salão de beleza com este título.

De repente, suplantando as vozes e a orquestra, tímpanos soam em tons graves. Olho através da janela.

Nuvens compactas tomaram posse do céu. Zeus, cobre a tela com formas prateadas.

Como não tenho mais pressa vou me dedicar a esse espetáculo.

Chego à área de serviço. Apesar dos inúmeros edifícios sem graça, ainda temos um belo panorama visto da ponte. Hoje, flamingos não fazem cortejo ao sol poente.

As nuvens evoluem céleres, como bailarinas. Cisnes negros no lago de Tchaikovsky. Sinistras. Sedutoras.

Começam a descer as águas, numa cortina perfeita como cenário pra uma peça teatral épica. O senhor do Olimpo prossegue com suas pinceladas. Em maior número, tímpanos tonitruam. Escuto o vento cantando como um coral de castrati.

Apreciando a ação da natureza poderosa, fascinada, sinto o perfume do jasmim. Toco a seda e o terciopelo que vestem os deuses. Provo da ambrosia. As águas e o vento chocam-se contra o vidro. Vejo a cor do vento. Azul profundo, como o Mar Mediterrâneo.

A imaginação, as fantasias - como os sonhos - enriquecem, deliciam nossas vidas.

Já na real penso num comentário que fiz pra Tonico, a propósito de vídeos que nos ensinam sobre o Universo. A Terra com seus esplendores, nosso deslumbrante

Sistema Solar, são grãos diminutos na Via Láctea. No firmamento infinito somos cocô de ameba.

Nós terráqueos, na nossa indigência intelectual, nos damos à ousadia da arrogância. Toma-me a sensação de gelo no estômago e na espinha. Ouço meu coração pulsar em três compassos: TUM, Tum, tum. Será que vou ter um siricutico? Digo em voz alta: Yara, sem drama !!!! Os elementos, as performances infernais do Sol, o passeio dos corpos que vagam no cosmo e que podem ferir de morte nosso mundo, ainda não nos pulverizaram. Se há - de verdade - data marcada pra tanto, não é agora. Hades não nos quer, neste instante, em seus domínios. Continuo falando em voz alta: essa guria!!!! Volte à maravilha humana que é Turandot. Obedeço a mim mesma.

Na noite estrelada de Pequim, afastado da turba, Calaf canta Nessun Dorma.

Impactado pela beleza da princesa, deseja tê-la. Vai lutar por esse casamento.

Toca o gongo disposto a decifrar os enigmas que Turandot lança aos seus pretendentes. Sem titubear responde um por um. Ela, enlouquecida, não quer cumprir o prometido. Não quer casar com o estrangeiro. Não se submeterá ao jugo masculino. Sua cruel decisão - que levou à morte um sem número de pretendentes - é uma vingança pelos sofrimentos impostos, por um homem, à uma antiga princesa. Sensibilizado pelo desespero da filha do imperador, Calaf oferece a solução. Se até o surgir do Sol descobrirem seu nome, Turandot estará liberta do compromisso.

Arma-se um grande pampeiro. Liù - escrava do rei Timur, pai do herói da estória, destituído de seu reino, cego, fugitivo, paupérrimo, está na cidade - prefere suicidar-se porque, nem sob tortura, revelará o nome do jovem amo querido.

Calaf confia que, ao amanhecer, não terá sua cabeça decepada e fincada num poste, como exemplo àqueles que ousam querer desposar a princesa. Confia que à alba será vencedor. Corajoso, em pessoa, dirá nos lábios de Turandot, como se chama. Dito e feito: Com tanto carinho a deseja, que sua atitude açucara aquele coração petrificado. Irremediavelmente seduzida, ela anuncia a todos o nome do estrangeiro: Amor. O povo celebra o fim das terríveis execuções. O reino está em paz. Os amantes viverão felizes pra todo o sempre.

The End.

A vida pode ser gloriosa porque, felizmente, as Musas permanecem na ativa.